“Deixem o bebê em paz!”: reflexões sobre o papel do adulto no fascinante mundo dos bebês

“Deixem o bebê em paz!”: reflexões sobre o
papel do adulto no fascinante mundo dos
bebês

POR Paula Saretta e Ana Maria Bastos*

Quando pensamos em um bebê recém-nascido e antes de 1 ano de idade
o que, normalmente, nos vêm à cabeça? Dependência, fragilidade,
passividade, cuidados…
Sim. O bebê humano, diferente dos outros animais, nasce frágil,
desprotegido para enfrentar o mundo. Para sua sobrevivência, um
adulto é imprescindível. Ele necessita de assistência, ou seja, alguém
que o alimente, que o mantenha aquecido, faça sua higiene, mas que
além desses cuidados orgânicos; um adulto que o introduza no universo
das trocas afetivas.
No entanto, faz parte de uma grande parte de adultos acreditar que
temos que ensinar absolutamente tudo para os bebês. Não só ensinar,
mas também prever, determinar e proteger aquele ser humano
aparentemente tão frágil e dependente, não é?
O conceito de criança ativa, competente desde seu nascimento e rica
de iniciativas,  de desejos e interesses próprios a partir de estímulos e
do ambiente que o rodeia ainda parece distante de grande parte das
práticas que temos observado no cuidado e na educação de bebês.
Nós, adultos, temos mania de dizer: “ele adora essa cadeirinha” ou “ele
só quer ficar no colo, é muito manhoso, se coloco no chão, abre um
berreiro”. Frases comuns que denotam uma leitura dos desejos do
bebê, sempre a partir do ponto de vista do adulto.
Vocês já pararam para pensar que pode ser bem mais fácil do que
parece? Que não há necessidade de intervir, ensinar, agir o tempo
todo, controlando, fazendo, pegando objetos, organizando o ambiente,
etc.? O olhar atento, a observação aguçada de seus movimentos pode
ser algo tão fascinante que podemos ficar horas tentando compreender
o que está se passando na cabeça daquele bebezinho…

A defesa que aqui fazemos[1] é de que, tantas vezes, não damos tempo
suficiente para suas descobertas, seus interesses, impedimos, isso sim,
que ele se desenvolva com mais autonomia, que ele escolha o que quer
explorar, conhecer, brincar…
Vamos pensar em alguns exemplos. Mostramos como se brinca
“corretamente” com um determinado brinquedo de montar, oferecemos
um brinquedo de cada vez e solicitamos que ele faça exatamente o que
pretendemos que ele faça. Ou seja, se ele (o bebê) pegar um
bonequinho e colocar na boca, muitas vezes, tiramos e avisamos: “esse é
pra brincar assim (e faz o gesto)… Não para morder”. Ou quando ele
pega blocos de montar e coloca um ao lado do outro e, mais uma vez,
intervimos: “não, esse é para empilhar, veja só como eu faço…”
Intervenções comuns, cheias de boas intenções… Mas, de fato,
eficientes, do ponto de vista do desenvolvimento global?

Explicando melhor: a criança que
sempre é estimulada, por meio da mediação constante do adulto de
como ele deve agir, fazer, montar, pegar, brincar, etc. torna-se uma
pessoa que está sempre esperando que algo aconteça com ela. Sempre
esperando que alguém venha até ela, que diga o momento da atividade,
que diga o que deve ser feito agora… Passivamente. Sem iniciativas.
Sem criações singulares, sem desenvolver sua capacidade de escolher,
sem conhecer-se, sem conhecer seus interesses particulares, etc..
Quer outros exemplos? O momento da troca, como geralmente
acontece? Os momentos de cuidados corporais têm extrema
importância na construção dessa ligação que será estabelecida entre o
bebê e cuidador. Nas atividades corriqueiras, muitas vezes realizadas
de maneira automática, como a troca de roupas, sono, alimentação,
banho são propícios para o conhecimento do bebê e perceber suas
singularidades. Mas para que isso ocorra, o olhar do cuidador deve ser
sensibilizado e “treinado” para  o reconhecimento dessas
particularidades.

Nesta linha de pensamento, entendemos como
importante que o adulto deixe o bebê participar e intervir nos cuidados
que lhe são dedicados, de acordo com suas possibilidades e
competências. A maneira como o bebê é tocado, pode ser uma fonte de
prazer, agradável, ou pode até gerar desconforto, ansiedade e
insegurança. O que é facilmente percebido pelo incômodo que ele
manifesta em seus gestos.
Assim, o modo como vamos nos conectar com eles depende do que
entendemos, das nossas crenças de como cuidar e interagir com os
bebês. Se partimos do princípio que eles são pessoas que tem uma clara
influência sobre os acontecimentos de sua vida, se pensarmos que eles
estabelecem relações e têm interesses próprios, as coisas podem
mudar de figura.
Babá ou escola? O que é melhor? Depende. Depende do que cada um dos
ambientes pode proporcionar para ele, para seu desenvolvimento pleno.
O papel do adulto, a relação que estabelece com o bebê é que faz toda
diferença! O que temos que garantir, então? Além de atividades
diversificadas, interessantes e motivadoras, adultos que respeitem a
autonomia do bebê, que estabeleça uma relação de segurança e
respeito com ele.
Só assim, quando essa relação for de confiança mútua e não de
dependência exacerbada, será possível discriminar as manhas das reais
necessidades. Será possível saber o que, de fato, ele está precisando.
Tantas vezes, se eles pudessem falar usando palavras, certamente
diriam: “Ei, me deixem em paz, estou gostando de ficar aqui!”, “Quero
conhecer meu corpo, brincar com minhas mãos”, “Eu sei que sou capaz
de mudar de posição, mas tenho meu tempo. Ele não é o mesmo que o
seu, não precisa ficar angustiada com isso e vir aqui me ajudar toda
hora”…

A conexão afetiva que o adulto estabelece com o bebê não tem receita,
mas para ser boa e prazerosa para ambas as partes, é preciso atentar-
se para um conceito simples, lógico, mas de difícil aplicação,
principalmente nos tempos atuais: observe o tempo do bebê, respeite
seus interesses, suas vontades e desejos.
Em poucos palavras: a troca de olhares, os gestos, tudo deve ser
pensado e realizado de maneira respeitosa àquele ser que, ainda não
conseguindo se expressar com palavras, diz muitas coisas à alguém
realmente interessado em escutá-lo!
_________
 Ana Maria Bastos é mãe do Theo e da Nina. Atualmente é a
responsável no Brasil pelo empresa Descobrir Brincando,
adaptado a partir dos fundamentos da pediatra Emmi Pikler. Ana
morou na Suíça e África do Sul. Seu trabalho é junto aos
profissionais e famílias com objetivo de ajudar na importante
tarefa de cuidados da criança pequena. E acredita que ao
fortalecer os adultos cuidadores, crianças se desenvolvem em
sua integralidade, nascendo assim uma sociedade mais justa e
saudável! Para maiores
informações: www.descobrirbrincando.com.br
 Paula Saretta . Doutora em Educação pela Unicamp. Mestre em
Psicologia escolar pela PUCC. Responsável pela Consultoria em
Psicologia e Educação Ouvindo Crianças.

[1] Nossos argumentos são baseados em uma abordagem defendida por
uma médica pediatra húngara chamada Emmi Pikler (1904-1984).
Falaremos mais sobre isso nos próximos posts, com dicas práticas de
como auxiliar os bebês a terem mais autonomia e liberdade de
expressão.

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