A ABORDAGEM DO ESPECIALISTA

O trabalho junto aos adultos cuidadores, sejam famílias ou os profissionais que trabalham com essas famílias deve ser muito cuidadoso e respeitoso.

Nesse campo frequentemente questiono o papel do “especialista” que, geralmente se apresenta aos pais como o detentor de um conhecimento “científico” e por isso, estaria habilitado para sugerir condutas. Até que ponto o especialista favorece a relação dos pais/ bebês? Qual seria uma melhor abordagem para não ser um golpe à autoconfiança dos pais? 

No artigo intitulado “Educação para a saúde através do rádio” (escrito em 1957), Winnicott observa: 

“Nesses momentos, a tendência deles (pais) é sentirem-se culpados, e recorrerão voando a qualquer um que lhes fale com autoridade, que dê ordens”

“É facílimo fazer com que (os pais) se sintam incompetentes”

 

Em seus textos, Winnicott mostra-se extremamente sensível às interferências do especialista no campo da família, sobretudo no caso de bebês e crianças pequenas e, sem ser prescritivo, deixa bem claro o que não deve ser feito no contato dos profissionais com os pais. 

Oferece pistas para uma posição possível diante da demanda destes: a observação, a possibilidade de escutar e, no máximo, devolver aos pais o que eles contaram e de “deixar que a solução apareça por si só”. Adverte ainda sobre a inadequação da expressão de juízos morais nesse tipo de contato. 

Com base nesse raciocínio nosso objetivo junto aos familiares, é sensibilizar o olhar que os pais dirigem às crianças, permitindo mais espaço a elas. E assim, que adultos consigam, com seu próprio repertório, sentirem se aptos, encorajados nessa aventura que é criar um filho.

 

Mas o que é, para cada família, um ambiente adequado para que seu bebê cresça feliz e saudável? A cultura atual exerce relevante influência nessa questão. O que prega como sendo o melhor, tratando-se de cuidados com bebês? Desde a gestação, pais são inundados de informações. Buscam e, muitas vezes, recebem orientações – querendo ou não – sobre como criar seus bebês. Há muitos best-sellers dizendo como os pais devem, por exemplo, lidar com a questão do sono ou como estimular seus bebês. Também chama atenção as superproduções que giram em torno do bebê: chá de fraldas, as compras para o enxoval, o nascimento, aniversários mensais, festa de um aninho e assim por diante.

Não é tarefa fácil para os pais da atualidade que são instigados ao consumo desenfreado seja de objetos, manuais sobre como criarem melhor seus filhos ou tendências que prometem preparar melhor seus filhos, tomarem certa distância e interceptarem esse discurso do consumismo. Há os que conseguem certamente, mas é um exercício diário e cheio de armadilhas. Senso crítico e reflexões são necessários, ao longo do caminho, contrapondo os princípios e os valores de cada família às ofertas do “mercado”.

Seguindo essa tendência, abre-se um espaço maior à palavra do especialista. Pais que se sentem com menos autoridade diante dos filhos, pressionados a serem pais perfeitos, angustiados, costumam recorrer ao especialista. 

No artigo “A sabedoria dos pais e as certezas do especialista” apresentado nos Estados Gerais da Psicanálise, em 2005, Cavalcanti observa: 

 

Esse encontro acontece, portanto, sob efeito de uma combinação explosiva: as certezas do especialista, respaldadas pelo saber sobre a criança- objeto de estudo cada vez mais precoce, haja vista as pesquisas com os bebês e mais recentemente com fetos – e as incertezas e inseguranças dos pais que se sentem cada vez mais desautorizados perante os filhos. O efeito nefasto dessa coincidência é que os especialistas terminam induzindo o que pretendiam evitar e os pais não têm como se situar frente a isso.

 

A percepção é que muitas vezes, com a intenção de “preparar” os filhos para o mundo e sendo bombardeadas por informações, condutas, receitas, o resultado é ansiedade, a sensação de quanto mais estímulos proporcionarmos aos bebês, mais aptos, inteligentes estarão. Correndo o risco de não prestar atenção para quem é aquela criança, quais suas reais necessidades, seu tempo e seu ritmo.Com a melhor das intenções, ao invés de ajudar corre- se o risco de atrapalhar o percurso natural da criança.

Pautada nessa visão, na interação com os pais, ao invés de dar o primeiro passo, observamos, esperamos, nos colocamos à disposição mas sem despejar alguma informação ou comentário sem sermos solicitados. Espera-se que a iniciativa seja deles. 

Se se diz às mães que façam isto ou aquilo, não tardam em ficar confusas e (o mais importante de tudo) perdem o contato com a sua própria capacidade para agir sem saber exatamente o que está certo e o que está errado. É facílimo fazer com que se sintam incompetentes. Se, para tudo, tiverem de consultar um livro ou escutar rádio, estarão sempre atrasadas quando quiserem fazer as coisas certas, porque as coisas certas têm de ser feitas imediatamente. Só é possível agir exatamente no ponto certo quando a ação é intuitiva ou por instinto, como se costuma dizer. (Winnicott, 1999 p.6)

 

Na grande maioria das vezes, os responsáveis nos procuram e trocamos ideias pertinentes ao universo infantil. Considero extremamente rica essa troca e nosso objetivo é que se estabeleça realmente um diálogo. Percebo que a escuta, muitas vezes, já pode ser suficiente para atingir o objetivo de acolhimento à família. 

 

O mesmo respeito que defendemos nas relações Adultos & Bebês, é fundamental na relação do especialista com os familiares, sem nunca desautorizar seus saberes.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *